quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Bêbado


Essa tarde, quando saia do trabalho, um bêbado me parou na rua. Não falou mal do governo, nem disse que éramos irmãos, sequer adentrou a qualquer outro tema do pileque universal. Sujeito estranho, com uma luz diferente no olhar. Segurou meu braço, detendo minhas passadas e disse: “Sabe qual o seu problema? Você não vai a lugar nenhum”. Um cara que passava me fitou, destinando certa dose de compreensão através de um riso em um só canto da boca. Já há algumas horas fugiu minha tranqüilidade, como se realmente não fosse a lugar algum e só agora percebesse.

domingo, 18 de novembro de 2012

                                       Meu Deus


Raras são as vezes em que penso em Deus. A despeito dessas poucas vezes, tenho um fundo religioso, uma ânsia de religião. Sempre quis me convencer que eu tinha, de algum modo, uma definição de Deus, ou sobre ele, um conceito, mas hoje me convenço que não tenho nada semelhante. Se são raras as vezes que penso em Deus isso me acontece porque o assunto me parece demasiado complexo, chega a me provocar uma espécie de pânico, um tilt em minha lucidez e razão. “Deus é o todo”, “Deus é a essência de tudo”, “Deus é a grande coerência”, dizem alguns amigos. Acho que todos estão certos, mas não é esse o Deus que preciso. Procuro um Deus para dialogar, onde eu encontre amparo, sane minhas interrogações e responda minha metralhadora de dúvidas.

Se Deus é a totalidade, a grande coerência, não entendo porque ele vai se importar comigo, eu, um pequeno átomo, um piolho de alface, a aresta de unha aparada e agora ao chão. Não me importa ser apenas um piolho de qualquer coisa, importa é que, apesar de eu ser um ínfimo, Deus esteja ao meu alcance. Se eu não posso tocá-lo com as mãos, nem abraça-lo em meu raciocínio, quero apreendê-lo com o coração, mas ainda não o apreendi.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012


quero um lugar no seu texto,
além das reticências,
das referências bibliográficas,
índice e interrogação
quem sabe um marcador de páginas
talvez um travessão
para nossas efervescências e
o tudo mais que termina em ão...
um refrão bem grudento,
daqueles de música brega
que onde pega fica,
feito o encardido na roupa
desses que não poupa nada,
nem estilo e métrica.
traduz minha estética em geriátrica,
porque só a nós agrada

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Teu ar



Nuvens sobrepostas
num céu quase azul.
eu à deriva,
divagando meus intentos,
Navegando ao sabor da tua brisa
ou de qualquer outro vento.

Naufrago destoante,
multiabrangente e uno
em minha infinita incapacidade
de se identificar com 'as gentes':
é que elas, ao que me parecem,
são paisanos agentes secretos,
com seus segredos remotos
e outros artefatos

Em cada uma dessas cabeças,
cem ou mais sentenças,
centelhas de esperança
(ou de decadência?)
por alguma justiça
e quem sabe por vingança

Poeira de estrelas
cadentes, foscas ou ofuscantes,
assim elas caíram,
nesse céu azul e trôpego,
como nós caímos antes
de saber que cada um coexistia,
e juntos poderíamos criar
essa imperfeita e linda harmonia

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Encher ou Esvaziar?

                            Nossa mente, devemos enchê-la ou esvazia-la? Encher é fácil e parece que qualquer coisa serve. Ao tentar esvazia-la as idéias assemelham-se a peças de roupas, jogadas dentro de um baú de madeira, e em cada uma delas colado um pingo de super-bonder. Quando puxamos uma vêm as demais. Até podemos arrancar algumas delas à força, nisso outras se rasgarão. No fundo do baú sempre permanecem, teimosos, alguns fiapos colados sem se poder arrancar, ou então a pele sai junto.

Der Steppenwolf

Nada melhor que subir nos ombros dos gigantes enquanto a inspiração não vem:
“Crê, como Fausto, que duas almas são demais para um só peito e podem arrebentar com ele. Mas ao contrário, são demasiado poucas, e Harry violenta terrivelmente sua pobre alma se busca compreende-la numa imagem tão primitiva. Harry, embora seja um homem grandemente instruído, procede, talvez como um selvagem, que não sabe contar além de dois. Chama a uma parte de si mesmo de homem, a outra, de lobo, com isso acredita ter chegado à meta, esgotado o assunto. No homem encerra tudo que há de espiritual, de sublime ou culto que encontra em si, e no lobo, tudo que há de instintivo, de selvagem e caótico. Mas as coisas não se passam na vida de uma maneira tão simples como em nosso pensamento, nem tão rude como em nosso idioma de idiotas, e Harry se engana amplamente ao empregar este método tão tacanho do lobo. Harry considera, o que é de temer-se, todas as divisões de sua alma como parte do homem, muitas das quais já deixaram de ser homem, e qualifica partes do seu ser como lobo, partes que há muito já estão além do lobo”
.
Trecho retirado do livro 'O Lobo da Estepe' de Hermann Hesse.